segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Inocência Perdida

(edição abr/2012)

A inocência em troca de um vídeo game
 Por: Jogador X, para Revista ESPN

Com a desculpa de conseguir uma ascensão social através do futebol, inúmeros crimes são praticados nos bastidores. Quase não se fala dos assédios sexuais existentes nas divisões de base dos clubes brasileiros. Os pais das vítimas muitas vezes sabem das ocorrências e “vendem” seus próprios filhos em troca da titularidade, de um par de chuteiras ou de outras regalias que ao justificam de forma alguma esse tipo de comportamento. Uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das escolinhas e categoria de base, inclusive de times considerados grandes.

Em 1995, participei de um torneio no exterior para atletas de até 12 anos, ocasião para jogar, se divertir e fazer coisas inerentes à idade, já que era muito cedo para pensar no futuro como jogador de futebol profissional. Os pais com um pouco mais de condições acompanhavam os filhos, enquanto os demais ficavam apenas sob supervisão da comissão técnica.

A delegação dormia dentro de um ginásio de basquete, com beliches espalhados por toda a quadra. Durante uma madrugada, acordei para ir ao banheiro. Quando cheguei lá, vi o treinador fazendo sexo oral em um menino de apenas 11 anos. Na verdade, não entendi direito o que estava acontecendo. Voltei a dormir e, com a inocência de uma criança, contei aos meus pais o que tinha visto.

Aterrorizados, eles foram falar diretamente com o treinador, que justificou dizendo que estava ajudando o garoto a resolver um problema de incontinência urinária. Indignados, meus pais foram aos pais da vítima, que prometeram tomas providências. No dia seguinte, estava tudo normal. O treinador comprou um videogame para o menino e tudo seguiu como se nada tivesse acontecido.

Este foi mais um exemplo da doentia ligação entre pais ignorantes e coniventes com pessoas inescrupulosas. Somos vítimas de uma propaganda incorreta que mostra o futebol como uma máquina de fazer dinheiro e como um trampolim para a fama. Nos esquecemos de que apenas uma parcela insignificante chega a ingressas nesse grupo de “afortunados da bola”. Esquecemos que mais vale um filho que se torna um cidadão de bem, que honra seus compromissos, do que virar um jogador famoso nascido de um ato criminoso, um abuso sexual.

Tenho esperança de que isso mudará. É urgente que se faça uma dedetização desses aproveitadores que acabam com a moral e com a vida dos atletas jovens com um lindo futuro à frente. Formemos cidadãos jogadores, sem deixá-los à toa, sem pensar somente no retorno financeiro. E se fossem nossos filhos ?

Autor: Jogador X é uma estrela do futebol brasileiro, com passagem por clubes do País e do
exterior, que conta, de forma anônima e sem filtros, histórias sobre a verdadeira vida de
um atleta profissional.

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